terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Salão da escola

Afinávamos os instrumentos, como sempre, na sala do pastor. Disputávamos à tapa a pequena caixa amplificada, valvulada, a única que tínhamos naquele local minúsculo. Eu havia passado pelo salão antes e tinha visto a superlotação. Parecia que todos aqueles pais se importavam mesmo com aquelas criaturas horríveis e mal-educadas que eram constantemente chamados de filhos. Eu estava meio nervoso.

Combinamos com a banda principal que daríamos uma canja antes do show deles. Era como um treino, com platéia de verdade. Os caras da banda principal eram os meus ídolos. Já pareciam adultos, mesmo tendo no máximo dois anos a mais do que eu. E o melhor: eles tinham uma banda, tocavam fora da escola, nos festivais e shows beneficentes da cidade. Eu queria ser como eles, e acreditava que estava no rumo certo.

O cara do vocal sumiu e eu não encontrava. Cheguei suado na sala, onde os acordes eram ensaiados mesmo sem a base e o vocal oficial.

- Onde ele ta?
- Cara, ele sumiu... não achei em lugar nenhum.
- Como a gente vai tocar sem vocal?

E o silêncio pairou por uns instantes. A gente se olhou por um tempo...

- Tu vai cantar – falei olhando o guitarrista – tu tem voz...
- Bem capaz... eu mal consigo tocar, não vou conseguir.
- Eu to fora – a guitarra-base já ia escapando – não vou pagar o micão de tocar assim, sem o vocal.
- Então tu canta – olhando pra mim, o guitarrista se levanta...
- Mas eu mal sei a letra...
- Teu inglês é muito melhor do que o meu. Ensaia aí, a gente tem 30 minutos.

Fiquei pensativo. Eu podia pagar o maior mico, errar a letra, fazer papel de imbecil. Estaria tudo perdido em 3 ou 4 acordes. Peguei o papel e li. A letra não era complicada, eu sabia...

- Deixa que eu canto então... estamos nessa juntos?
- Pode crer... não vai fazer merda!!!
- Só tenho meia-hora, não me pressiona.

Entramos no salão e ficamos no fundo, mais encolhidos do que sentados. Nossas guitarras na mão. O baixo emprestado do Sergio era mais parecido com uma porta sem tinta do que com um baixo. A bateria estava no palco, usaríamos a mesma. Vários assuntos sobre a escola e os alunos, reformas e festas para arrecadação. Aquela baboseira de sempre. Sem perceber, a coisa toda se desenrolava e a gente foi relaxando.

- Agora eu quero chamar o no palco, os alunos da 6ª série, que prepararam uma música pra gente... podem vir aqui garotos!

A gente rumou mecanicamente pelo meio do corredor de gente, no meio de gritos de apoio e provocações dos nossos “amigos”. Aquele palco parecia tão distante... mas chegamos lá. Enquanto conectavam os instrumentos, eu via na cara dos guris o pavor de estar ali. Isso acabou com toda a minha confiança, eu tremia dos pés à cabeça... já havia esquecido tudo o que tínhamos ensaiado... De repente 1, 2, 3, 4... E a música rolou... alto e desafinado... ERA ROCK’N ROLL....

Exatos 5 segundos antes da primeira frase eu fechei os olhos, escondi o resto do rosto atrás do cabelo e fechei bem os punhos, na altura do peito. Se era pra brigar, eu não ia fugir.

Só abri os olhos novamente depois do primeiro refrão... e o que eu vi foi uma platéia enlouquecida cantando comigo. Dançavam na minha frente como malucos de hospício e gritávam o meu nome e de meus amigos. O meu medo e a minha reação foram considerados atitude e eu lavei a minha alma em 5 minutos de nirvana. Terminada a música que havíamos ensaiado o pessoal pediu mais e ainda tocamos outra, com mais entusiasmo ainda. Saímos aplaudidos, talvez não pela performance, mas pela garra e pela coragem.

Ainda hoje, quando fecho os olhos e canto sozinho, eu estou cantando no salão da escola.