sábado, 17 de novembro de 2007

Poder infantil

- Pai, eu vou morrer um dia?
- Err... sim, um dia sim.
- Mas eu não quero morrer pai...
- A gente não pode viver pra sempre.
- E se tu morrer pai, eu vou ficar sozinha?
- Não filha... olha, o pai não vai morrer, ta bom?
- Não vai?
- Não... o pai promete que não vai morrer, se tu prometer que não vai mais pensar nisso. A gente tem que pensar em viver filha. Se a gente pensa em viver a gente vive feliz, sem lembrar da morte.
- Ta bom pai...
- Vamos dormir? Sem choro...
- Ta... boa noite pai. Eu só vou pensar em viver, ta?
- Ta, boa noite.

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- Onde está a bisa, pai?
- Aí, dentro desta parede. Olha, tem uma foto dela aqui.
- É mesmo!! O que a bisa ta fazendo aí? Ta dormindo?
- Isso filha, ela vai dormir bastante tempo agora.

Silêncio pensativo.

- A bisa não pensou em viver, né pai?
- Não filha – respondi com lágrimas nos olhos – ela não pensou.
- Tadinha... vou colher uma flor pra ela.

Minha avó morreu aos 79 anos, de falência múltipla. Estava com diabetes e nunca se tratou. Dizia que se morresse, não faria falta. Ledo engano.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A volta pra casa

Quando a gente é novo demais pra saber o que se passa no coração, o amor vira algo estranho de se lidar de peito aberto. É como se o desconhecido, como sempre, nos desse um medo e uma falta de vontade, muito maior que a curiosidade. Então, vivemos por muito tempo sem aceirar o fato de estarmos apaixonados. Nossa, que cafona isso, mas é a mais pura verdade, pelo menos para a maioria dos caras que, como eu, nasceram na década de 70 ou 80 e são inseguros por natureza. Inventamos fantasias malucas, sonhamos com isso, e vivemos o nosso próprio amor platônico. Por vezes, sem jamais despertar suspeitas nas escolhidas, colocadas em altares no pensamento.

Depois de quase adulto, aprendi a lidar com o fato de não lembrar do rosto da mulher amada. Aliás, esse era o primeiro sinal de meus sentimentos por ela. O segundo sinal, e esse sim é coisa de doido, era passar o dia todo acompanhado dela na imaginação. Explicando em meio ao trabalho, no pensamento, como se faz isso ou aquilo, se exibindo pra ela, que na verdade não estava ali. Conversar e imaginar a sua reação ao me ouvir. (não, eu não sou louco, a doutora disse)

Não sabia mais o que era isso, depois de quase 7 anos casado. Uma vida séria, cheia de contas a pagar e de diferenças a resolver. Parecia que isso não era mais pra mim, como se tivesse me aposentado desta parte da vida. Como se tudo isso fosse uma coisa para se lembrar, talvez escrever.

Nossos dias não tem mais se cruzado, por motivos mais fortes que nossa vontade, e assim o meu coração teve tempo de se recuperar de uma série de tombos. Seria muita burrice não lembrar o teu rosto depois de tanto te olhar, conversar, te amar. Seria muita burrice e falta de memória. Entretanto, de uns dias pra cá, tenho conversado muito contigo no trabalho. Tenho te contado coisas, várias vezes, antes mesmo de te ver. Te explico tudo, exatamente como fazia à 6 anos atrás, me lembrando com muito carinho que estás em casa me esperando.

Sinto tanto a tua falta, que já não sinto mais nada.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O Tucano Apaixonado

Era um dia muito lindo e o tucano decidiu passear no campo. Quando passeava viu uma belíssima flor, o nome dela era Rosa Vermelha. O Tucano foi rápido e beijou ela, e eles ficaram amigos. Depois, ficaram apaixonados. Durou pouco isso, brigaram e o Tucano foi embora. A flor, ou devo dizer a Rosa Vermelha, ficou de coração partido, a rosa ficou muito triste.

Ela pensava “Será que um dia vou vê-lo denovo?” esperando dia e noite por ele. Ela perdeu a esperança e não esperava mais nada. Ela se lembrava todos os dias dele, os bons tempos quando estavam juntos. Rosa pensou “A gente tem que esquecer o passado e viver o futuro”.

A Rosa Vermelha encontrou outra pessoa e ficou muito feliz.

Luíse Morey de Almeida, 9 anos (transcrição do caderno de aula, em exercício de criação)

Manifesto I

Por vários meses, tive que conviver com a tua impaciência, com tua pressa de ver tudo funcionando como pensavas. Te vi perder o sono, perder a calma e perdeste parte da tua saúde. Nos piores momentos, tentei te animar dizendo para confiar nas pessoas, dizendo que tudo ia dar certo como planejavas.

Em poucos meses, trabalhaste para organizar e gerir um setor novo no trabalho. Setor esse que serviria para atender e dar assistência a pessoas de uma região inteira da cidade, dando mais cidadania e dignidade a todos. Cidadania e dignidade essa que conquistastes com árduas vitórias sobre o sistema, escapando dos burrocratas e falsos amigos dos cidadãos. Apoiada na lei e nos teus atributos diplomados, tu concebeste um documento, que deveria ser votado pelos “responsáveis” para virar lei no município, para oficializar o teu trabalho. Tudo certo, tudo nos seu devido lugar.

Entretanto, nesse dia 06/11/07 sob a luz do sol que nasce para todos, eu li à sombra no Diário de Cachoeirinha, que dizia que uma respeitável figura do meio político seria o novo coordenador do teu trabalho.

O que dizer agora, minha esposa? Tu que sempre tivesses razão. Não vale a pena mesmo correr dentro de um espaço em que todos rastejam. Que tipo de recompensa eu posso te dar agora?

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O projeto do governo federal (através da regulamentação da NOB-SUAS) que obriga a prefeitura a ter Centros de Referência da Assistência Social, deixa claro no seu item 7.3 que a coordenação destes centros deve ser exercida por profissional habilitado e com prática na área, com formação de nível superior, com boa comunicação e experiência no trabalho coletivo, ou seja, para quem não entendeu, deve ser um líder e não um político.

Eu não entendia porque sempre se privilegia um político ou amigo de político em cargos de coordenação. Agora entendo que mesmo que o governo federal tenha a intenção de fazer a coisa certa, na ponta de cá isso é distorcido.

Só para constar, o projeto de lei que regulamenta os CRAS (Centros de Referência da Assistência Social) ainda não foi votado. No entanto, já foram criados cargos de coordenação para cada um deles, e é claro, são cargos de confiança. Eu era o único, eu acho, que não acreditava nessa injustiça até ela acontecer.