sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Volta à origem...

No mesmo dia, o meu coração, pulmões e mucosas das vias aéreas me levaram ao mesmo lugar. E ao adentrar naquele hospital, com medo e saudade, provi o meu CORE de muita disposição para o pior.

Demorou muito, mais do que eu poderia suportar para poder ser examinado. Até que uma bondosa menina, talvez mais nova que eu, me atendeu e me foi muito cara. Antibiótico mata um pouco da gente também, dizia a minha vó, e foi a lembrança dela que mais me doeu. Mesmo que ela não chegasse perto de remédio por vontade própria, aquele ambiente me lembrava os seus últimos dias. Peguei a receita a parti porta afora, para a jornada que realmente me cabia naquele dia.

“No dia dos pais as pessoas não vão ao hospital”, sempre pensei assim. Só que naquele presente momento, formava-se uma fila enorme de motivos na frente do elevador para me contrariar. Pais visitando os filhos, filhos visitando os pais, patriarcas de famílias inteiras nas CTI’s, entubados até os ossos tentando pela última vez aspirar no mundo dos vivos. Flores, pacotes e sorrisos, e o ar farto de remédio se enchia do calor e do sol da rua, e neste dia tinha um pouco menos de morte e muito mais de risada. Zombar do destino, esse era papel das crianças naquele dia.

523. Seria esse o andar certo? A direção correta? É estranho entrar sem bater. Nunca entrei no quarto, na casa dos meus avós sem antes anunciar minha chegada. A porta pesada e branca desmaiou na direção do quarto verde claro, que ironicamente lembrava a cor das paredes internas da casa em que ele sempre morou. De longe eu já enxergo os seus pés, ultimamente irrequietos, balançando ritmicamente o lençol grosso do “Mãe de Deus”. Me aproximo, e é impossível remover da cabeça aquela imagem de homem forte e turrão, que criou e educou os filhos na base do relho.

Já magro e sem expressão, ele sequer se vira na minha direção para procurar o som da minha voz. A sua interface com o mundo, o seu relacionamento com o meio está tão prejudicado, que ele apenas vive por um capricho da natureza e de seus filhos. Ao ver a casca murcha do que já foi o modelo de tirania para mim, me desintegro em compaixão. Olhando em seus olhos sem expressão, lhe beijo a face e choro por dentro.

Vôo solitário do pássaro negro...

Os olhos negros me olham novamente, por debaixo dos mesmos longos cílios. As espessas sobrancelhas pontuam as emoções do texto e me remetem ao passado em 12 anos. Já 3 filhos se passaram, e o tempo foi tão generoso que me deixou o mapa das tuas curvas intacto, como que esperando mais uma voltinha. Sim, a moldura do cabelo é outra, o tom da conversa muito mais formal. Mas ainda te arranco uns sorrisos escondidos, e teus dentes me são caros como antigamente.

Mas não se iluda.

Eu já te fiz sofrer demais por muito menos que estes sorrisos. O teu corpo ainda arrepia os pelos do meu peito. A tua voz ainda percorre o mesmo caminho da libido em meus ouvidos. Entretanto, eu não estou apaixonado. E não quero, nunca mais, te arrancar lágrimas destes olhos.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Imãs

Prendo todos os desenhos, escritos, obras, riscos e fotografias das crianças na geladeira. Tenho essa mania, e na falta de um mural, a geladeira suporta toda a genialidade da nossa família. Numa noite ouço um barulho na cozinha, acordo assustado procurando a minha esposa na cama.

- Amor, vem ver uma coisa aqui na cozinha.

- Já vou – pulando da cama, corro até o piso verde e gelado. Sou surpreendido por um rio de papéis, escorrego e acabo por fazer o mesmo barulho que ouvi.
- Percebe? - diz a voz ao meu lado no chão.
- Temos que comprar mais imãs de geladeira?
- Não...
uma geladeira maior.