sábado, 17 de novembro de 2007

Poder infantil

- Pai, eu vou morrer um dia?
- Err... sim, um dia sim.
- Mas eu não quero morrer pai...
- A gente não pode viver pra sempre.
- E se tu morrer pai, eu vou ficar sozinha?
- Não filha... olha, o pai não vai morrer, ta bom?
- Não vai?
- Não... o pai promete que não vai morrer, se tu prometer que não vai mais pensar nisso. A gente tem que pensar em viver filha. Se a gente pensa em viver a gente vive feliz, sem lembrar da morte.
- Ta bom pai...
- Vamos dormir? Sem choro...
- Ta... boa noite pai. Eu só vou pensar em viver, ta?
- Ta, boa noite.

:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:

- Onde está a bisa, pai?
- Aí, dentro desta parede. Olha, tem uma foto dela aqui.
- É mesmo!! O que a bisa ta fazendo aí? Ta dormindo?
- Isso filha, ela vai dormir bastante tempo agora.

Silêncio pensativo.

- A bisa não pensou em viver, né pai?
- Não filha – respondi com lágrimas nos olhos – ela não pensou.
- Tadinha... vou colher uma flor pra ela.

Minha avó morreu aos 79 anos, de falência múltipla. Estava com diabetes e nunca se tratou. Dizia que se morresse, não faria falta. Ledo engano.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A volta pra casa

Quando a gente é novo demais pra saber o que se passa no coração, o amor vira algo estranho de se lidar de peito aberto. É como se o desconhecido, como sempre, nos desse um medo e uma falta de vontade, muito maior que a curiosidade. Então, vivemos por muito tempo sem aceirar o fato de estarmos apaixonados. Nossa, que cafona isso, mas é a mais pura verdade, pelo menos para a maioria dos caras que, como eu, nasceram na década de 70 ou 80 e são inseguros por natureza. Inventamos fantasias malucas, sonhamos com isso, e vivemos o nosso próprio amor platônico. Por vezes, sem jamais despertar suspeitas nas escolhidas, colocadas em altares no pensamento.

Depois de quase adulto, aprendi a lidar com o fato de não lembrar do rosto da mulher amada. Aliás, esse era o primeiro sinal de meus sentimentos por ela. O segundo sinal, e esse sim é coisa de doido, era passar o dia todo acompanhado dela na imaginação. Explicando em meio ao trabalho, no pensamento, como se faz isso ou aquilo, se exibindo pra ela, que na verdade não estava ali. Conversar e imaginar a sua reação ao me ouvir. (não, eu não sou louco, a doutora disse)

Não sabia mais o que era isso, depois de quase 7 anos casado. Uma vida séria, cheia de contas a pagar e de diferenças a resolver. Parecia que isso não era mais pra mim, como se tivesse me aposentado desta parte da vida. Como se tudo isso fosse uma coisa para se lembrar, talvez escrever.

Nossos dias não tem mais se cruzado, por motivos mais fortes que nossa vontade, e assim o meu coração teve tempo de se recuperar de uma série de tombos. Seria muita burrice não lembrar o teu rosto depois de tanto te olhar, conversar, te amar. Seria muita burrice e falta de memória. Entretanto, de uns dias pra cá, tenho conversado muito contigo no trabalho. Tenho te contado coisas, várias vezes, antes mesmo de te ver. Te explico tudo, exatamente como fazia à 6 anos atrás, me lembrando com muito carinho que estás em casa me esperando.

Sinto tanto a tua falta, que já não sinto mais nada.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O Tucano Apaixonado

Era um dia muito lindo e o tucano decidiu passear no campo. Quando passeava viu uma belíssima flor, o nome dela era Rosa Vermelha. O Tucano foi rápido e beijou ela, e eles ficaram amigos. Depois, ficaram apaixonados. Durou pouco isso, brigaram e o Tucano foi embora. A flor, ou devo dizer a Rosa Vermelha, ficou de coração partido, a rosa ficou muito triste.

Ela pensava “Será que um dia vou vê-lo denovo?” esperando dia e noite por ele. Ela perdeu a esperança e não esperava mais nada. Ela se lembrava todos os dias dele, os bons tempos quando estavam juntos. Rosa pensou “A gente tem que esquecer o passado e viver o futuro”.

A Rosa Vermelha encontrou outra pessoa e ficou muito feliz.

Luíse Morey de Almeida, 9 anos (transcrição do caderno de aula, em exercício de criação)

Manifesto I

Por vários meses, tive que conviver com a tua impaciência, com tua pressa de ver tudo funcionando como pensavas. Te vi perder o sono, perder a calma e perdeste parte da tua saúde. Nos piores momentos, tentei te animar dizendo para confiar nas pessoas, dizendo que tudo ia dar certo como planejavas.

Em poucos meses, trabalhaste para organizar e gerir um setor novo no trabalho. Setor esse que serviria para atender e dar assistência a pessoas de uma região inteira da cidade, dando mais cidadania e dignidade a todos. Cidadania e dignidade essa que conquistastes com árduas vitórias sobre o sistema, escapando dos burrocratas e falsos amigos dos cidadãos. Apoiada na lei e nos teus atributos diplomados, tu concebeste um documento, que deveria ser votado pelos “responsáveis” para virar lei no município, para oficializar o teu trabalho. Tudo certo, tudo nos seu devido lugar.

Entretanto, nesse dia 06/11/07 sob a luz do sol que nasce para todos, eu li à sombra no Diário de Cachoeirinha, que dizia que uma respeitável figura do meio político seria o novo coordenador do teu trabalho.

O que dizer agora, minha esposa? Tu que sempre tivesses razão. Não vale a pena mesmo correr dentro de um espaço em que todos rastejam. Que tipo de recompensa eu posso te dar agora?

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O projeto do governo federal (através da regulamentação da NOB-SUAS) que obriga a prefeitura a ter Centros de Referência da Assistência Social, deixa claro no seu item 7.3 que a coordenação destes centros deve ser exercida por profissional habilitado e com prática na área, com formação de nível superior, com boa comunicação e experiência no trabalho coletivo, ou seja, para quem não entendeu, deve ser um líder e não um político.

Eu não entendia porque sempre se privilegia um político ou amigo de político em cargos de coordenação. Agora entendo que mesmo que o governo federal tenha a intenção de fazer a coisa certa, na ponta de cá isso é distorcido.

Só para constar, o projeto de lei que regulamenta os CRAS (Centros de Referência da Assistência Social) ainda não foi votado. No entanto, já foram criados cargos de coordenação para cada um deles, e é claro, são cargos de confiança. Eu era o único, eu acho, que não acreditava nessa injustiça até ela acontecer.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Parei pensativo, com o olhar parado no pinheiro que decora a frente da casa. Ou decorava até se tornar a maior árvore das redondezas. Está mais para sombra do que para orbe. Encontrei, num movimento, o documento do carro no meu bolso. Pensei que devia arranjar um local comum para guarda-lo, já que temos que tê-lo sempre à mão, como a chave do carro. Em instantes a minha menta viajava ao passado, e lembrava do quadro que eu fiz na minha infância, utilizando um pedaço de madeira, tinta, coifas de metal e verniz. Quadro este que hoje é o porta chaves da cozinha, atrás da porta. Passei a mão no meu pé, ao tirar a meia. Senti as calosidades do calçado industrial saltar-me ao dedos.

- Amor, o que tu ta fazendo aí, pensativo?
- Preciso escrever algo que está me incomodando. Me deu uma vontade de entalhar na madeira. Preciso de uma lixa de pé.
- Viver contigo é no mínimo interessante. Se tu fosses mais pobre seria louco, mas ainda está na fase do excentrismo.

Eu apenas sorri. Seria pedir demais que qualquer pessoa me entendesse mesmo.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

A Causa

A sociedade oprime
Os fortes tremem
O artista exprime

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Henry Chinaski

Atravesso a porta e caio junto da calçada, no meio fio. O sol esquentou o asfalto até pouco tempo atrás, esperando o momento certo para fritar as minhas costas. “Que maravilha” penso, ao ver que a garrafa em minhas mãos intacta ainda tem 4 dedos de wiskey. Bolas, a vida tinha o seu valor.

O botequeiro havia voltado ao seu balcão e parado de gritar toda aquela baboseira de não “volte mais aqui”. Idiota... não volto mesmo, vou beber em outro lugar. O cheques pararam de chegar, será que ninguém entende que mesmo sem grana eu preciso beber um pouco? A cabeça começa a doer, então eu bebo , com cuidado, o que restou na garrafa.

Era o que eu temia, a dor era da calçada e não da bebida. Uma luz bem próxima à esquina me deixa ver as pernas de uma garota, dessas garotas que ficam nas esquinas. Ela me pergunta algo que eu não entendo e depois me aponta como se eu fosse um monstro. Achei que iam me roubar então quebrei a garrafa nela. Caída, eu via o seu sangue se aproximar, então corri. Enquanto corria, pensava no quê alguém poderia me roubar, mas já era tarde demais para arrependimentos. Quase dois quarteirões depois, parei ofegante e com as mãos no joelho, tentando me manter em pé. O sangue dela continuava a me perseguir na calçada, desenhava ao meu redor. Então me virei pronto para quebrar a cara dela e nada vi. Somente o sangue na calçada e um trilha dele até mim. Me escorria da cabeça até os calcanhares o mesmo sangue que me perseguia, e tudo enegreceu.

Acordei com um dia vivo e um cheiro morto. Numa cama branca, um cara me olhava e me perguntava se eu estava enxergando direito. Como eu podia saber? Era tudo branco, não dava pra destinguir quase nada. Seguro social? Albergue? Dá um tempo... Cheguei ao próximo boteco somente ao meio dia de hoje.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Um brinde espanhol

Salud, pesetas, y una vieja con buenas tetas.
(Saúde, dinheiro e uma vadia com belas tetas)

De dois em dois anos...

Viva o Claudiomiro com a camisa vermelha. O verde pede ajuda, não negligencie a natureza. Uso um preto básico quando não quero parecer gordo. Minha pequena adora rosa em tudo o que usa ou brinca. A lua prata é a mais bela moldura do amor. Ela usa um vestido violeta e se insinua, ela me tira do sério. Listras, bolinhas, xadrez, texturas tropicais, quase tudo se mistura. Os meus brinquedos sempre foram os mais coloridos.

As cores da bienal deste ano me emocionaram.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Aos 15

Do nada, me lembrei de uma passagem na minha vida.

Poderia ser mais uma daquelas sem importância, mas algumas pessoas fizeram toda a diferença. Como sempre, eu falo de amizade quando lembro de coisas do passado. Talvez, por sempre ter sido rodeado de amigos ou pessoas legais, amigos de amigos. Talvez pela atmosfera da adolescência, onde amigos são os conhecidos, e o mundo adulto parece distante.

Uma amiga, na verdade uma “vizinha amor platônico”, me convidou para a ocasião da festa de seus 15 anos, no salão da paróquia do nosso bairro. Aquela velha história, os pais apresentando a menina (só tem cara de menina) que se transforma em mulher para a sociedade. E eu, de gaiato, ia fazer uma boca livre num sábado à noite. Como eu tinha 15 também e não tinha ainda muitos amigos de festa, não ia perder uma boquinha livre assim por nada.

Depois de por o pé na rua, já arrumado para a festa, é que e bateu uma certa solidão. Eu ia estar no meio de muitos vizinhos, muitos conhecidos do bairro. Entretanto, eu estaria sozinho mesmo assim. E arrumado também é uma expressão um pouco exagerada, pois eu lembro que naquela época meus recursos eram muito limitados. Estava de camiseta e de calça, nada de roupa nova. Um sapato emprestado do coroa completava o traje do pobre.

Como eu imaginei no trajeto, cheguei na festa e fiquei “de canto”, olhando para os lados e alternando com o parquet do velho salão da paróquia. Não restava mais nada além de buscar uma cerveja (salve a liberdade) e beber assistindo o nervosismo dos familiares e as meninas vestidas de mulher enquanto adentravam pela porta. Aquele gasto assoalho me lembrou das velhas domingueiras naquele mesmo salão, onde a gurizada mais povão e maloqueira do bairro, inclusive vilas adjacentes, dançava e suava ao som do dance mais bagaceiro, à procura de alguém para se agarrar em algum canto escuro. Eu era um dos responsáveis pelo estado lamentável daquele parquet, pensei.

O nervosismo da mãe da menina era o mais evidente. Ela corria de um lado para o outro, falava com parentes, ia até a porta e ficava olhando, como um cão esperando o dono. Pelos comentários próximos eu entendi que o fotógrafo e o responsável pela filmagem estavam atrasados, o que estava deixando um ar de impaciência na festa. Acho que era a fome batendo, somado ao cheiro maravilhoso do churrasco que vinha da cozinha.

Chega o então “pessoal da filmagem” e começa o agito de cabos, procura tomada e ajeita a luz. Adentra a porta do salão, com uma câmera no ombro e uma cara de homem sério, o Marcelo. Ele era um cara que eu conheci na escola, amigo de amigos meus. Ele me reconheceu quando passou por mim, e mudou na hora a cara séria.

- E aí cara?
- Beleza? Não sabia que tu tinhas uma filmagem...
- É do meu pai, aquele de barba branca.
- Legal... e quem é aquela morena com ele? – Apontando para uma moça com um flash na mão. Ela era bonita e bem morena, cor de cuia. Estava num vestido verde longo e parecia muito simpática. Fiz à pergunta ao Marcelo insinuando que podia ser algum “affair”. Ele me respondeu com uma cara impagável, sarcástico.
- É... deixa eu me lembrar o nome... minha mãe!
- Ah, pára! Jura?
- Desde que eu nasci.
- Mas...
- Eu sei, ela muito mais nova que o meu pai.

Já não estava mais tão chata aquela festa. Poderia, pelo menos quando ele não estivesse filmando, conversar com o Marcelo e dar umas risadas. Ele era mais velho e muito engraçado, sempre tinha uma resposta na ponta da língua. Deixei que ele filmasse e não fiquei atrapalhando, já que era o trabalho dele, e o pai dele estava de olho.

Adentrando o salão, caminhando como um pingüim e vestido como um “magal”, o Fabiano olha de longe para todo mundo. Vai se chegando a alguns conhecidos da família, cumprimenta a todos com apertos de mão e sorrisos idiotas. Parece bem conhecido de todos, coisa que eu não fazia nem idéia porquê. Será que ele era parente dela e eu nem sabia? Poderia ser essa uma daquelas coincidências engraçadas e oportunas? Ele me percebe naquele mar de rostos e com uma cara de tábua de salvação, cambaleia em minha direção.

- E aí meu? Eu não sabia que tu eras parente da Lisi.
- Eu não sou ainda, a gente ta namorando.
- Ah pára! Fala sério?
- Faz uns 5 meses. Tu viu que o Marcelo ta aí, filmando com o pai dele?
- Bah, revelações... Essa festa tá ficando boa – Falei disfarçando a decepção. Ainda tinha esperanças de... Um dia quem sabe? – Vi o Marcelo sim.
- Tu mora na rua dela, né? Ainda bem... Não me sinto à vontade com essa gente ainda. Conheço poucos e o pouco que conheço é meio desconfiado comigo. Não gosto de ficar de papo com eles.
- Desconfiados? Será que é porque tu tem um carro e essa cara de safado, e ela está fazendo apenas 15 anos contra os teus 18? - Sapeca o Marcelo que ouvia de longe o nosso papo, sem muitas papas na língua.
- Ta... eu sei, eu sei.
- Cerveja?
- Não, to dirigindo.
- Ta é sendo vigiado, isso sim...
- Hahahahahaha

E rimos da situação. Principalmente da situação do Fabiano. Ele iria dançar a valsa com ela, e isso ia ser filmado pelo Marcelo. Bom para contar para o resto da turma do São Mateus, em outras ocasiões.

Da cerimônia eu lembro pouco, somente alguns momentos. Lembro do Fabiano com cara de pastel, dançando com a menina na frente de todo mundo. Lembro do momento em que o Marcelo sentou-se à mesa, com uma cerveja, e disse:

- O pai agora toca sozinho.
- Beleza, pega o final dessa carne aí com a gente.

Jantamos e rimos ao mesmo tempo. Da carne eu lembro o sabor ainda, e dos papos e risadas eu sinto saudade. Depois que passei da conta, coisa fácil pois “a conta” ainda é muito rasa com 15 anos, eu me lembro de pouca coisa. Tanto tomei que lembro apenas de flashs. Lembro que dançamos no salão como se a festa fosse nossa, puxando passinhos e cantando como doidos. Acho até que éramos a atração da festa, mas não tenho certeza.

Desta festa ficaram essas lembranças e uma foto (horrível) com a debutante, que ainda guardo no meio de um monte interminável de lembranças da minha adolescência, numa caixa na garagem.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Volta à origem...

No mesmo dia, o meu coração, pulmões e mucosas das vias aéreas me levaram ao mesmo lugar. E ao adentrar naquele hospital, com medo e saudade, provi o meu CORE de muita disposição para o pior.

Demorou muito, mais do que eu poderia suportar para poder ser examinado. Até que uma bondosa menina, talvez mais nova que eu, me atendeu e me foi muito cara. Antibiótico mata um pouco da gente também, dizia a minha vó, e foi a lembrança dela que mais me doeu. Mesmo que ela não chegasse perto de remédio por vontade própria, aquele ambiente me lembrava os seus últimos dias. Peguei a receita a parti porta afora, para a jornada que realmente me cabia naquele dia.

“No dia dos pais as pessoas não vão ao hospital”, sempre pensei assim. Só que naquele presente momento, formava-se uma fila enorme de motivos na frente do elevador para me contrariar. Pais visitando os filhos, filhos visitando os pais, patriarcas de famílias inteiras nas CTI’s, entubados até os ossos tentando pela última vez aspirar no mundo dos vivos. Flores, pacotes e sorrisos, e o ar farto de remédio se enchia do calor e do sol da rua, e neste dia tinha um pouco menos de morte e muito mais de risada. Zombar do destino, esse era papel das crianças naquele dia.

523. Seria esse o andar certo? A direção correta? É estranho entrar sem bater. Nunca entrei no quarto, na casa dos meus avós sem antes anunciar minha chegada. A porta pesada e branca desmaiou na direção do quarto verde claro, que ironicamente lembrava a cor das paredes internas da casa em que ele sempre morou. De longe eu já enxergo os seus pés, ultimamente irrequietos, balançando ritmicamente o lençol grosso do “Mãe de Deus”. Me aproximo, e é impossível remover da cabeça aquela imagem de homem forte e turrão, que criou e educou os filhos na base do relho.

Já magro e sem expressão, ele sequer se vira na minha direção para procurar o som da minha voz. A sua interface com o mundo, o seu relacionamento com o meio está tão prejudicado, que ele apenas vive por um capricho da natureza e de seus filhos. Ao ver a casca murcha do que já foi o modelo de tirania para mim, me desintegro em compaixão. Olhando em seus olhos sem expressão, lhe beijo a face e choro por dentro.

Vôo solitário do pássaro negro...

Os olhos negros me olham novamente, por debaixo dos mesmos longos cílios. As espessas sobrancelhas pontuam as emoções do texto e me remetem ao passado em 12 anos. Já 3 filhos se passaram, e o tempo foi tão generoso que me deixou o mapa das tuas curvas intacto, como que esperando mais uma voltinha. Sim, a moldura do cabelo é outra, o tom da conversa muito mais formal. Mas ainda te arranco uns sorrisos escondidos, e teus dentes me são caros como antigamente.

Mas não se iluda.

Eu já te fiz sofrer demais por muito menos que estes sorrisos. O teu corpo ainda arrepia os pelos do meu peito. A tua voz ainda percorre o mesmo caminho da libido em meus ouvidos. Entretanto, eu não estou apaixonado. E não quero, nunca mais, te arrancar lágrimas destes olhos.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Imãs

Prendo todos os desenhos, escritos, obras, riscos e fotografias das crianças na geladeira. Tenho essa mania, e na falta de um mural, a geladeira suporta toda a genialidade da nossa família. Numa noite ouço um barulho na cozinha, acordo assustado procurando a minha esposa na cama.

- Amor, vem ver uma coisa aqui na cozinha.

- Já vou – pulando da cama, corro até o piso verde e gelado. Sou surpreendido por um rio de papéis, escorrego e acabo por fazer o mesmo barulho que ouvi.
- Percebe? - diz a voz ao meu lado no chão.
- Temos que comprar mais imãs de geladeira?
- Não...
uma geladeira maior.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Lembro de já ter chegado à esta conclusão antes...

Seguindo as recomendações de uma amiga psicóloga, combinamos de ver um filme com as crianças. Posso dizer que as minhas expectativas eram boas, já que parecia ser um filme de fantasia, desses que o cinema tem feito muito bem ultimamente. Pipoca foi o almoço, com refri e comentários inteligentes das crianças.

O filme reforçou, com seus argumentos lúcidos e emocionantes, a idéia de que cada artista possui um combustível inesgotável de dor, insensatez e loucura. Com a mente aberta e com as possibilidades da imaginação, preso a um mundo real como todos nós, o artista foge para o seu próprio mundo. Por vezes o torna tão real para si que poderia matar a sede em um riacho imaginário. Ele desconhece ou aprende a desconhecer os limites do que lhe é palpável ou não.

Cada um sabe da pressão que lhe é cara. Franz Kafka exprimiu boa parte da pressão da sociedade da sua época em sua obra “A Metamorfose”. Voltaire expressou sua revolta com o sistema monarca durante toda a sua obra, e um dia ainda disse "É perigoso estar certo quando o governo está errado".

Pensando em tudo isso, e pendurando as roupas molhadas no varal ao mesmo tempo, pensei em mil coisas sobre pressão, pais e filhos, filmes e artistas. Como tudo se interliga sem se tocar, sem nem mesmo saber da existência um do outro. Com a maneira com que hoje crio o meu filho, sabendo ou não o que estou fazendo, influenciarei as suas amizades e a sua vida, talvez até outras pessoas com o que lhe ensinar. Pensei em minha mãe, e em como ela me tratou a vida toda, sem pressão, ajudando em minhas dificuldades (ou não... depende), me dando mais crédito que os outros.

De onde vem a minha pressão? Por onde eu passei este tempo todo, colhendo palavras em campos estéreis de poesia, difamando pedras em histórias de sonho? Como posso ser capaz hoje de escrever o meu próprio futuro, com rimas fracas e sem êxito às vezes, mas com toda a cólera de um exilado, com toda a fúria de um prisioneiro torturado? Seria eu um farsante?

A minha pressão vem do mundo. Vem de mim mesmo, das minhas desistências, das minhas próprias derrotas. Já perdi empregos para mim mesmo, já perdi amigos para minha preguiça e perdi oportunidades para a minha falta de confiança. A minha dor vem daquela garota que me desprezou na 2ª série, da menina que me traiu na 7ª. Vem da surra em que levei na rua, de uns “caras” que tinham inveja de mim, e só hoje percebo. Vem dos apelidos, da baixa estatura, da dificuldade de expressão. Vem do amor à flor da pele, que eu insistia em não esconder, e que me fez sofrer tanto.

O que?
Filme em DVD “Ponte para Terabítia”
Onde?
Numa locadora bem perto de você.
Porque?
Aluga e descobre.
Quanto?
Ah, vai se f...

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Imaginação...

Estava eu parado na sala, como sempre faço quando não posso sentar no sofá. Fico olhando para a TV, parado e com cara de bobo, esperando os comerciais para continuar o que estou fazendo. É como se, não sentando, eu não parasse o que não posso parar, estando na verdade, parado.

Sem aviso e completamente distraído, uma pancada me tira do mundo da televisão, bem no meio da cabeça. Quando o objeto cai eu reconheço: É o coelho da Rafaela. Olho para trás e ela está me encarando, com a cara que ela faz para fingir que está muito brava.

- Por que tu jogou o coelhinho no pai?
- Porque eu sou a Mônica e tu é o Cebolinha.

Fui obrigado a entrar no personagem e correr por toda a casa, gritando misericordia para aquela dentuça bobona.

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Nascer da expressão

A expressão, em qualquer uma de suas formas, deu ao homem uma maneira complexa de demonstrar seus pensamentos e sentimentos. Ela se desenvolveu junto ao processo de evolução e acelerou as relações humanas, dando sentido cultural ao desenvolvimento antropológico.

Na atualidade, o ser humano chega a ser tão complexo a ponto de não conseguir expressar o que lhe ocorre, o que por vezes lhe obriga a guardar e mastigar a si mesmo por tempo indeterminado.

A poesia nasce da explosão incontida das palavras, formas e cores, que saltam cabeça afora das mais diversas formas de expressão, tornando do dia para a noite o perplexo cidadão comum no mais novo poeta, que ele nem mesmo conhecia.

A poesia e o lirismo são o último recurso, ao sensível toque de loucura, do comum habitante do mundo moderno.

Sendo assim, da complexidade criada pela cultura, e pela falta de expressão, nasce sempre o mais novo poeta, artista, pensador. Parido sempre pela falta de expressão.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Jornal Nacional

É necessário uma comissão de ótica, em Brasília. Ninguém vê que a comissão de ética não vai chegar a lugar nenhum.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Moscas

Elas estão lá quando eu acordo de manhã
Elas me visitam no chuveiro
No espelho elas me olham e me indagam
E não esperam eu sair do banheiro


Não me deixam chegar no trabalho quieto
Querem sempre conversar no caminho
Já me acostumei, sem elas me sinto incompleto
E pior, sem elas eu me sinto sozinho

O trabalho se amontoa e não dou conta
Me atrapalham com afinco a todo momento
Me rodeiam a cabeça, deixando-a tonta
E quando o limite é atingido eu não agüento

E num grito eu exprimo a pressão do peito
Eu confesso: Não sei escrever poesia!
E desabafo no teclado, do meu jeito.
Mas elas teimam em me reescrever todo dia.

Pensando complicado

Às
Embaralho
Vezes
Palavras
As

Rafael

Apaziguar é minha missão aqui
Até acredito em Deus, ele me conta
Nos olhos de minhas filhas o vejo
Eu quero amar sempre além da conta
Ser rejeitado é sempre dolorido
Eu agrado sempre e tento ser bom
Quando me ofendem eu não dou ouvido
Me retrato à todos, sem sair do tom

Nunes

Eu sou aquele que cresceu sozinho
Apareço sempre sem ser chamado
Ser feliz e ter amigos é meu destino
É sempre bom poder estar ao meu lado
E quando em casa eu sou o pai
Na tua casa eu sou amigo
Minha marca do peito nunca sai
E ainda tenho conhecimento antigo

Pywa

Eu me amarro em correr riscos
Das responsabilidades eu me esquivo
Respiro sempre, mas o ar é de soberania
Me mexo para demonstrar que estou vivo

Eu não jogo pelas regras, eu não gosto disso
E quando perco a culpa não é minha
Não me chame de volta ao meu compromisso
Minha alma adora vagar sozinha

domingo, 24 de junho de 2007

Objeto

Já no quarto vazio, eu entrei e me fechei. Assim abri os olhos de criança que há muito eu não abria. Com cuidados para evitar ruídos muito ruidosos, eu tirei do bolso o brinquedo das crianças. Era mais lindo do que eu me lembrava, ao ver ainda com os olhos de adulto. Bem devagar, enrolei na mão cuidando os detalhes do plástico e dos adesivos. Para que serviria toda aquela parafernália em um brinquedo tão simples? Eletrônica era um mito, na última vez que brinquei com um iô-iô.

Ao lança-lo, fiz como uma criança inexperiente, como se nunca houvera pegado na mão tal brinquedo. Deixei o receio de lado, lembrando de todos os truques que eu aprendi na infância. Desfeito o laço que ainda me prendia nas fraldas, joguei-o com violência para baixo, suspendendo toda a magia com apenas um barbante.

E quando ele quase tocou o chão, o tranco no dedo indicador me deu uma sensação de êxito, de satisfação, de saciedade. Ele ficou paradinho, girando a uma velocidade que parecia incrível. Mais incrível ainda era o brilho intenso de toda aquela eletrônica. Com mais um tranco o trouxe de volta para minha mão, onde os LED’s ainda piscavam freneticamente, alternando-se até parar.

Saquei o sistema da catraca, onde a velocidade do giro destrancava o eixo do barbante através de um contrapeso. Saquei ainda o sistema de interruptor da eletrônica, que genialmente era disparado pelo movimento de uma mola.

Pensei por muito tempo em como minha vida mudara desde que aquele brinquedo me maravilhara pela primeira vez.

Menino e homem, unidos pelo laço do barbante, girando velozmente no meu coração.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Auto-retrato amoroso

Eu vou te azarar... Numa boa eu vou te azarar. Eu vou, com o meu jeito inseguro e servil, te elogiar e tirar uma febre. E com o seu sorriso eu vou me sentir melhor, conquistador, mas mesmo assim não vou te agarrar. Se você não tomar a iniciativa, o primeiro beijo vai demorar, talvez nem aconteça. Seja rápida.

Talvez você não saiba, e tomara que não descubra, que eu já estou apaixonado. Quando tu me agarraste pela nuca e me buscou a boca, quando fizeste as minhas mãos descer pelo teu corpo em cascata. Quando as bicas eu suei por estar perto, muito perto, de te ter por inteira.

No início, eu vou dar uma de conquistador. Não vou te ligar, nem mesmo vou te dar muita atenção. Vou fingir que estou escolhendo, sem nem mesmo ter o que escolher. Entretanto, do dia pra noite, eu vou te convidar pra ir lá em casa, e conhecer os meus pais, o meu cachorro e te apresentar para a Nona.

Se caso isso não acontecer, e você desistir antes, eu vou te perseguir como um cão que se acaricia e depois chuta. Eu vou pensar, por toda a minha vida, o que podia ter sido. Eu vou ter pena de mim e me odiar por não ser aquilo que você precisa, na hora em que você precisa...

Eu vou te ligar, às 4:00 hrs de uma quinta-feira, bêbado e carente. Eu vou te atazanar pelo telefone e tentar te fazer culpada por toda a minha falta de postura, pela minha falta de carinho, pela minha insegurança, pela minha falta de dignidade.

E no fim eu vou acabar, sentado no divã de um desconhecido, contando a nossa linda história. História essa que nem existiu, a não ser na minha cabeça insana e insegura, na minha mente distorcida pela raiva, incapaz pela imaturidade.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Constelação pintada


Eu me declaro.

E me odeio por isso. Eu não consigo esconder aquilo que sinto, sou um copo de vidro.

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A minha perna treme quando vejo ela, e eu fico menos eu. É como se ela, mais nova e menos experiente, mesmo assim me dominasse. Me cumprimenta, com um “oi” caloroso e um sorriso muito (mas muito) gostoso. Nos beijamos quase no canto da boca, sempre no limiar do certo e do libidinoso. Logo depois, já estou com a cabeça enterrada em meio aos ombros, tentando sumir em mim mesmo. Ela fala com jeito, devagar, quase com calma demais. E sua voz é um pouco mais que um sussurro. Desconverso e vou embora. Um tchau, outro beijo no canto da boca, e me atiro escada abaixo.

Eu não sei se são suas coxas, incríveis, maiores que as minhas. Ou talvez o seu cabelo, naturalmente loiro. Talvez, seja a pele alva, pintada de uma constelação de sinais. Com certeza, ela me despe de sentidos e me deixa atônito, catatônico, a espera de mais e mais. Eu me desespero ao seu lado, e com muito nervosismo, me entrego sem querer. É a pele, sem dúvida.

:o:o:o:o:o:o:o:o:o:

Como se não acreditasse somente em mim e em mais nada, deixo que o ódio tome conta do que preciso. Ao odiar o semelhante que me despreza, procuro em outro o que não tenho. E este sim, o ódio, tem peito estufado e o queixo erguido. Com ele, chego perto dela e me garanto como único capaz, único presente ao seu lado. É com esse ódio, de maneira desviada, que tenho coragem de te conquistar de verdade, que tenho vontade de fazer com que saibas o que realmente eu sou.

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Será que eu te conquistei novamente?

Circuito redundante

Vivo como se parte estivesse desligado.

Parcialmente uso o meu cérebro, para as tarefas diárias, que ocupam o máximo de 10% de minha capacidade. Até mesmo no trabalho, enquanto muitos se esforçam e dão tudo o que tem, o meu mínimo é elogiado e me faz o ego crescer desmedidamente.

Parcialmente sonhando, o meu mundo gira em torno do que eu sinto vontade, e eu sou feliz de mentira. Como cantou uma vez o Renato:

“E ao transformar em dor o que é vaidade,
Ao ter amor, se este é só orgulho
Eu faço da mentira, liberdade
E de qualquer quintal faço cidade”

Mesmo essa felicidade, que não é toda por natureza de ser parcial e que não é real no mundo dos verdadeiros, mesmo ela me deixa com a cabeça cheia de idéias e com o coração enlaçado no ritmo da rumba. Ou seria do Rock’n Roll? Não sei... a letra é que é importante nesse caso.

:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:

Ela sente que eu já sucumbi
E joga com a minha paciência
Eu temo é o que está por vir

Nossa hora é sagrada
Mesmo em silêncio
Eu me ouço entregar

Quando peço algo
Ou quando me calo
Não quero fazer

Mesmo que eu fale
Eu não pretendo
Dizer

terça-feira, 22 de maio de 2007

Os Bardos

Os bardos eram os menestréis dos antigos povos celtas que, acompanhados de suas harpas, cantavam os feitos dos deuses e heróis, ora nas reuniões palacianas, com cantos de amor e aventuras, ora nos acampamentos militares ou à frente das tropas, nos momentos das guerras, incitando-os à luta. Difundiram-se entre os galeses, escoceses, irlandeses e ingleses, e passaram à Bretanha francesa no século V, sofrendo influência do cristianismo em sua temática.
Cada família nobre orgulhava-se de seus bardos favoritos. Na Irlanda houve até escolas para a sua formação. Nesse país, suas canções, guardaram e transmitiram oralmente grande parte de sua história nacional. No País de Gales, gozavam de regalias especiais, como isenção de impostos e serviço militar.

Depois do século XII até a morte da rainha Elizabeth I (1603), organizavam-se espetáculos ou festivais de canto e poesia, os Eisteddfod (congresso), nos quais se exibiam os bardos. Os vencedores recebiam como prêmio o direito de figurar como bardos oficiais ou músicos de igrejas. No século XIX, procedeu-se à reorganização dos Eisteddfods, transformando-se o festival em uma instituição importante e estimulante para a vida intelectual e artística do País de Gales, com celebração anual, ora no norte, ora no sul, por meio de concursos de prosa e poesia e de música instrumental e vocal. Na Escócia, a despeito da influência da poesia dos bardos, sua importância nunca foi a mesma. Faltou-lhes a organização dos bardos galeses.
No século XVI, o termo bardo possui uma conotação de menosprezo. Na linguagem atual, a palavra tem dois significados: a) de modo geral, um poeta; b) especificamente, um grande poeta, com caráter e significados nacionais, no qual o povo reconheça o intérprete de sua língua e sentimentos.

(Fonte: Enciclopédia Barsa)

Cárcere

Todo dia pela manhã, se olhava dentro daquelas 4 metas, que lhe auxiliavam tão somente a fazer a barba. O espelho era para ele um instrumento apenas, uma ferramenta diária, onde se percebia o penteado torto e os dentes limpos.

Encontro marcado, pela manhã se mostrava a cara para o dia, mas sempre antes o espelho lhe alertava as imperfeições da sobrancelha e da costeleta. Fazia saber da necessidade do aparelho ortodôntico e da troca do óculos.

Entretanto, ele nunca viu realmente a si mesmo. Preso no espelho, atrás de sua imagem, outro cara agitava os braços furiosamente, tentando chamar a sua atenção. Mudo, fazia de tudo para ser percebido, mas nunca conseguiu sair da escuridão.

Mesmo depois de muitos anos, com a mesma vitalidade, sacudia o espelho por trás. Mudou de estratégia várias vezes, mas nunca desistiu de ser percebido a sua existência. Fazia da sua imagem escondida as coisas mais horrendas, para que nunca fosse esquecido caso visto.

Na janela dele, todo dia, uma menina o observava. Enxergava dentro, o que ele não via no espelho.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Parte de mim!

Essa música é o fim. O fim do que tudo podia ser. O fim de tudo o que já foi. O amor acaba nela.

Eu não consegui ouvir essa música num volume baixo, pois eu podia ter escrito cada palavra, exatamente essas palavras. Coloquei no repeat, sozinho em casa. Chorei. Aumentei o volume mais ainda e cantei, mesmo com voz alterada, mesmo sem voz. Eu gritei.

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Parte de Mim

Gram


Fomos tanto
Que sempre tinha gente aqui
Pra ver de perto
O que alguém chamou de amor
Que desmancha
E hoje a gente sabe bem
A casa está vazia agora
E hoje fica sem você

Quando eu te enchi de razão
Você me chamou de fraco, velho
Pegue o que tiver que pegar
Mais o que quiser
E parte de mim
Parte de mim
Quer te ver feliz
Parte de mim
Te expulsa e morre

Foram tantas
As brigas me faziam rir
Não era certo nem errado
ra o que devia ser
E nos dias
Nas datas pra comemorar
A gente não jurava mais nada
E só bebia pra esquecer

O que era lindo se foi
Agora é normal e chato, um tédio
Pegue o que tiver que pegar
Mais o que quiser
E parte de mim
Parte de mim
Quer te ver feliz
Parte de mim
Te expulsa, te perde
Parte de mim
Quer te ver feliz
Parte de mim
Te expulsa e morre

Então fica assim
O último apaga a luz
Na porta que não range mais
Ouvi o barulho mesmo assim

:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o:o

Baixe a música ou compre o CD (vale a pena). Mas ouça
.

Sede (original de 20/04/07)


Nunca havia sentido a inspiração subir a minha garganta, como ânsia de vômito. Me deixa a respiração ofegante e me deu a impressão de doença profunda, uma náusea quase incontrolável. Assim me veio as palavras.

:o::o::o::o::o::o:

Carta da Sede
Eu não consigo controlar a minha sede, a minha aflição por sua boca. Eu sei que é loucura. Eu não sei nem se me verás do jeito certo. Eu não faço idéia dos teus gestos, eu não conheço o seu jeito. Só sei que estou exasperado por seu beijo, e não consigo me desviar deste pensamento. Mesmo quando não estás aqui, como nunca esteve, eu posso jurar que minha boca conhece a tua. E posso jurar que ela anseia pelo teu beijo por falta, e não por curiosidade. Parece desespero de carência, mas eu me conheço. A carência me bate sem vontade, é só parar de pensar, que ela vai embora. Em você, eu não consigo parar de pensar, muito menos mandar essa sede embora.

Tão pouco espero de ti que me aceites assim. Eu sei que não posso, e acredito que está completamente certa se isso lhe ocorrer mais forte do que o desejo de mim. Te peço que não me julgues como hipócrita e nem como aproveitador. Eu estou atrelado ao que fiz a mim mesmo, e não posso fugir disso. Sinto que perderei o que há de melhor em mim, se acaso eu não conseguir fazer com que minhas decisões sejam à meu favor.

O que espero, e unicamente espero de ti, é que compreenda a minha vontade, e a satisfaça se assim quiser.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Era uma vez... o de sempre: um problema.

Era uma vez... estava tentando abrir uma discussão no meu blog, afinal não entendia ou não conhecia o motivo que levava muitas mulheres a acentuar a natural insatisfação humana. Salvo pequenas exceções, em geral a mulherada abusa do beiço e da demonstração de insatisfação, quando o assunto é ser feliz e fazer suas vontades. Essas atitudes, quase sempre são veladas por homens e paparicadores de plantão, ou seja, sem uma justificativa plausível para mim. Isso parece uma moda antiga, coisa do passado, mas que não morre.

Mas, hoje me deu um estalo ao navegar e ler um artigo de um blog conhecido. Falava sobre ser feliz por completo, e que as mulheres nunca atingem essa felicidade, justamente por assim o serem.

Explico: Como todos sabem, parte do mês as mulheres se sentem, na sua maioria, irritadas e depressivas. Essa é a chamada TPM, estudada e muito divulgada por aí, seja como desculpa para excessos ou ausências seja por seu grau de veracidade. A mulher decide não ser “normal” nestes dias. Suas atitudes e sentimentos são adversos. Assim sendo, a mulher é livre e feliz por menos tempo que os homens, num prazo de 30 dias ou mais precisamente, 21, por que os outros sete são reservados para aqueles dias, o que fecha o ciclo de 28 dias (coisa de mulher). Parcialmente realizadas, diríamos.

Pois. Ainda hoje, quando nossas filhas estão crescendo, enchemos (novamente generalizando) as suas cabecinhas de sonhos, contos de fadas ultrapassadas e fábulas antigas, que nada tem a ver com a realidade. Existem sempre nessas histórias, seres mitológicos que representam o mal, o que é uma grande mentira, pois o mal é real e humano. Existem seres que representam o bem, que também não existem como os príncipes. E elas são sempre “a princesa”, borboletas efêmeras, o ideal de mulher, onde fica implícito a riqueza como ganho para tanto sofrimento, a bondade como solução para tudo e a beleza, sinônimo de estar do lado certo.

Para a perfeição, só ficou faltando o beijo final e o já propagado slogan “felizes para sempre”.

Mas como nada é perfeito, não existe “felizes para sempre”. Nessas histórias não contam como o príncipe faz para sustentar a princesa. E muito menos, que a moça em questão também deve ter dias de inferno esperando a dita menstruação.

O que estou dizendo, já foi dito. E também tudo aquilo de útero (como sendo uma caverna a ser descoberta e seus mistérios). O problema, somos nós. Os homens, que no lugar do útero temos o machismo. Mas sem generalizar, afinal acredito, verdadeiramente, que as coisas estão mudando. Talvez lentamente, mas estão. E o que gosto de acreditar é que o final de toda essa discussão sobre os sexos, vida amorosa, conjugal e social acabe com um grande entendimento e um longo beijo apaixonado, que irá despertar o homem e a mulher não para o machismo, nem feminismo. Mas para o Humanismo.

Correção by Adri Antunes

terça-feira, 8 de maio de 2007

Trabalho braçal


Dylan Thomas
Ele novamente.

"Para mim, o ‘impulso’ poético ou a ‘inspiração’ é a apenas a súbita, e geralmente física, chegada da energia para a perícia e o senso estrutural do artesão"

E ele tem toda razão, principalmente ao chamar o poeta de artesão. O poeta é alguém sensível, que percebe as coisas e a relação entre elas de maneira diversa a do senso comum. O que chamamos de inspiração é nada mais do que o momento exato em que nos dispomos a medir e expor (mesmo que para si) a idéia transcrita. Sobre essa idéia cabe rasuras e reestruturações diversas, de acordo com a veia do artista.
Assim, refinando ou não, lapidando a sua maneira, o artesão mostra o seu traço no resultado da obra.

Subvertemos o físico da palavra, distorcemos o seu sentido, para poder tirar os outros da sua realidade, transportando-os para a nossa.

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Para entender o trabalho de um poeta, é preciso antes de mais nada, transportar-se para a sua época, seu país e seu cotidiano. É impossível ler Dylan Thomas (e entendê-lo) sem antes conhecer sua história de vida e o contexto em que estava inserido no momento. Existem, é claro, poetas e poesia atemporal. Só os mestres, os verdadeiros, conseguem fazer isso de maneira consistente e inteligível.

Entretanto, o que muda de tempos em tempos são as pessoas. O contexto em que as pessoas lêem é crucial para que obra seja considerada genial ou não.

"A diferença entre uma paisagem e outra é pouca; é grande, porém, a diferença entre os que a contemplam. "
Ralph Valdo Emerson (1803-1882), crítico e poeta americano.

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"Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.

Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte."
Dylan Thomas

segunda-feira, 7 de maio de 2007

As Flores do Meu Jardim...

Ao sair da cozinha e entrar na sala de estar, corri os olhos em direção aos quartos das crianças. As luzes apagadas e as portas abertas, desertos de brinquedos e paredes cor-de-rosa. Voltei os olhos para baixo, para continuar o caminho até meu quarto, quando percebo a presença de dois olhos enormes e um sorriso de dentinhos tortos me encarando do canto do sofá.

Com um tabuleiro diante de si, cheio de quinquilharias: um duende, uma bola de cristal improvisada, bruxinhas de pano e bibelôs variados. Um turbante na cabeça completava o visual da minha vidente de 8 anos. Antes que eu abrisse a boca para perguntar o que ela estava fazendo, ela me aponta a placa (um papel escrito) em frente ao tabuleiro.

"Veja aqui o seu futuro. Eu leio a sua sorte...."

Nem terminei de ler o resto e a risada me veio sem querer. Abaixei-me e disse o que eu queria saber.

- Eu trabalho à 13 anos, já passei por várias empresas, mas eu não consigo ganhar dinheiro. O que eu tenho que fazer para ganhar dinheiro?
- Hum... deixe me ver.

Ela fechou os olhinhos e afagou a sua bolinha improvisada. Meditou por alguns instantes e me olhou nos olhos.

- Eu sei qual o seu problema.
- É?
- Tu tem que fazer aquilo que tu gosta de fazer. Só assim, tu vai fazer bem feito.
- Tem razão...
- E tem outra coisa. Tu tem que mostrar o que tu faz para os outros, senão as pessoas não enxergam.
- Obrigado filha...
- É um real – Estendendo a sua mãozinha para mim.

O conselho foi tão bom que eu paguei. Maldito capitalismo, já pegou a minha filha. Porém, eu também não tinha lido a letrinha miúda no cartaz "Consultas por apenas 1,00 real". Sai pensativo enquanto a vidente mirim aguardava sua nova vítima. Fui em direção ao meu quarto, onde a menor deveria estar olhando televisão. Ela tem uma coleção de DVD’s, doa mais variados tipos de animação.

Abro a porta e dou de cara com a cena. Ela está de pé na cama, de costas para televisão, segurando um travesseiro diante de si, com as pernas flexionadas. Antes de qualquer reação minha ela profere:

- Olha pai, o que eu inventei – E joga-se sobre a minha cama, como se pudesse voar, caído de barriga sobre o travesseiro.

Não restou outra alternativa. Eu que vinha do trabalho, cansado e pensando que a vida não valia a pena, deitei-me no chão de onde estava e tive uma crise de risos.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Chega sexta!


A semana é curta, eu sei. Mas eu não consigo mais me entusiasmar com isso!!

CHEGA SEXTA LOGO!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Feriadão!!





Dylan Thomas.

Esse é o nome do cara que vai acabar me influenciando. Não, isso não é uma previsão das cartas, nem uma visão que tive durante um transe. Podia até parecer transe o estado alcoólico em que ouvi os seus primeiros versos, mas não era. O fato é que o cara manda muito bem. Eu não sou fã de "versos traduzidos", porque no original existem sentidos, rimas e sons mais interessantes. Traduzir, principalmente do inglês, pode empobrecer muito o verso, e até compromete-lo.

O que não aconteceu com o citado poeta, escritor, roteirista e ativista acima citado. A profundidade do que escreve me atormentou logo no prólogo do livro, que transcrevo um pedaço:

"Na noite sufocante.
O Salmão no oceano suga o sol que sucumbe,
E os mudos cisnes surram o azul
Do meu poente que orvalha a baía, enquanto entalho
Esse alvoroço de formas
Para que saibas como eu,
Um homem que rodopia ao léu,
Também exalto a estrela e o pássaro
Tonitruante, nascido entre sargaços,
Homem em pedaços, sangue abençoado."

Resta para mim esclarecer algumas peculiaridades:

- Nasceu e viveu sua infância na beira do mar, no País de Gales.
- Aos onze anos havia escrito mais de 200 poemas. Seu pai lia Shakespeare e a Bíblia para ele, que aos 4 anos de idade não sabia ler.
- Morreu em conseqüência do abuso de álcool, aos 39 anos.
- Seu legado inspirou Bob Dylan, que modificou seu nome em razão disso.

Dylan Thomas – Poemas Reunidos (1934 – 1953)

http://www.culturapara.art.br/opoema/dylanthomas/dylanthomas.htm

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Odeio aquela gente que ao primeiro frio do ano, ensaca as roupas de verão e soca tudo no maleiro do guarda-roupa. Tira, ao mesmo tempo, todos os cobertores, casacos e blusões de cima do mesmo guarda-roupa e entope a máquina de lavar. Semana que vem, faz 30 graus de novo. Que roupas iremos usar?

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Subitamente, num lampejo de iluminação neurônica, lembrei-me de um cd que eu ouvia compulsivamente na década passada, e até a alguns anos atrás. Infelizmente, um gatuno conhecido (meu), surrupiou a obra de minhas gavetas e entristeceu minhas introspecções dos dias que se passaram. Até o dia de ontem. O mesmo lampejo me impeliu a procurar "corsariamente" uma cópia digital de tal obra. E não é que encontrei uma alma inteligente que disponibilizou o mimo audiofônico para download? Pois é, downlodeei-o-o inteiro com o ‘eMule’ e estou a ouvir compulsivamente novamente. O que é a tecnologia não?

90’s Surf Music – CD promocional da revista Fluir (de alguma das edições da década passada). Dá uma olhada no playlist:

1. Pennywise - Peaceful Day (2:54)
2. NOFX - Bleeding Heart Disease (3:39)
3. No Fum at All - Master Celebrator (2:56)
4. Shelter - Society Based on Bodies (2:54)
5. Millencolin - Mr. Clean (2:41)
6. Satanic Surfers - The Treaty and the Bridge (2:43)
7. Down By Law - Radio Ragga (4:42)
8. Voodoo Glow Skulls - Shoot the Moon (3:26)
9. Shades Appart - Valid (2:04)
10. Pleasure Fuckers - Last Smoke Last Dime (3:17)
11. Gorilla Biscuits - Competition (2:06)
12. Liberator - Handy Man (1:28)
13. RKL - Will to Survive (3:16)
14. Cerebros Expremidos - Romper la Red (2:52)

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No matter how hard you try, you can't stop us now!

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Minha conexão caseira, discada, está uma verdadeira bosta. O que não é nenhuma novidade em se tratando de conexão discada. Inclusive, isso não tem nada a ver com o post. É só um registro de indignação.

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Quero aqui dar os parabéns a todas as pessoas que compareceram ao último Sarau do Clube Literário de Cachoeirinha, no dia 29 de Abril, no Arca Pub. Estava simplesmente fora do normal. Ainda mais depois de 2 caipiras para aquecer a garganta. Caipirinhas de cachaça, para prestigiar o nosso país.

Ao adentrar o recinto, (des)elegantemente atrasado, dei de cara com a Arlise, depois com o Rafo. Um cara que me pareceu um "menino novo ainda" estava no palco e debruçava seus púberes versos, lindos, para o público. O discurso emocionado foi aplaudido, inclusive por mim que não ouviu tudo. Achei a atitude do cara muito positiva, já que sou militante de que escrever para si mesmo é masturbar-se. Pode ser saudável, mas não oferece tanto prazer quanto compartilhar o ato.

Bom, seguiu o baile. Não é uma figura de linguagem, já que o som estava muito animado nesta noite. Rolou um Raul dos mais tri. A presidente convidou uma banda, para que a coisa ficasse mais organizada, e ficou, com certeza.

Li 3 textos. Já que o tema era "O rapto da Europa", fui obrigado a ler Fernando Pessoa, e parte de obra. O segundo texto foi de uma amiga muito querida, de Caxias do Sul. Extremamente aplaudida a crônica sobre ‘a boca’ de Adriana Antunes. Por último, eu tive que me gabar do meu poema ‘posse’, inspirado em um momento de melancolia e rancor. Adorei, a interação foi dez.










O melhor estava por vir, e eu nem sabia. Ao finalizar as minhas batatas com caipirinha com a Arlise, a Aida se aproximou e disse:

- Vamos em uma festa?
- Vamos! - respondeu a Arlise, sem pensar.
- É uma festa de ogum! – Me perguntei o que seria isso...
- Se é festa to dentro! – A Arlise confirma.

Deu tempo ainda de pagar a conta, de ver as duas entrando em um carro e sumir. Noites calmas de Sábado, eu tenho.








Tenho que...

Beber menos Coca e mais água
Comer menos carboidrato e mais fibras
Ver menos televisão e mais teatro
Ver menos DVD e mais cinema
Ser menos padrasto e mais pai
Ser menos marido e mais amigo
Ser menos comum e mais original
Trabalhar menos focado e mais direcionado
Fazer menos sexo e mais amor
Ser menos crítico e mais aconselhador
Ser menos jornalista e mais poeta
Ser menos técnico e mais engenheiro
Ver menos defeito e mais qualidade
Trabalhar menos "para outros" e mais para "mim"
Pensar menos nos outros e mais em mim
Ser menos colega e mais amigo
Defender menos o velho e mais o novo
Pedir menos soluções e mais ajuda
Chorar menos a tristeza e mais a alegria
Ser menos afoito e mais controlado
Ser menos possessivo e mais apaixonado

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Não sei que título isso tem...!!!

Por dias me sinto assim, como se algo faltasse na minha corrente sangüínea. Anemia! - Diria o meu médico, empurrando aquela temível solicitação de exame de sangue. Entretanto, eu não procuraria uma clínica. Não me sinto incapaz ou fraco, muito menos doente. Sinto que algo bom me aconteceu, como se ser atingido por um raio me trouxesse algo de especial, algo de sobre-humano. Assim amanheço cada dia nestas últimas semanas.

Me sentia incapaz de ser feliz, e um dia isso mudou. Eu não sei bem quando, e nem porque. Eu sei que não vai ser assim pra sempre, por isso eu devo, eu tenho que aproveitar. Eu troco uma eternidade de marasmo por uma semana de pura loucura, e saio feliz com o meu lucro débil de mente parcial.

O que me falta, talvez, seja um pouco de paciência com o mundo. Talvez um pouco de audácia da minha parte. O que me falta é um sorriso sincero e um não categórico. O que me falta é uma espinha dorsal que não seja de borracha.
Enquanto espero a providência divina, uma mentira me sustenta vago de coração e mente. Uma mentira maior até que a providência divina. Mentir me arredonda os cantos vivos e me faz mais humano e mais rato, ao mesmo tempo. Mentir que eu sou assim, e não assado. Mentir que assado eu sou, e não assim. Eu quero que o mundo mude ao bater do meu coração e quero que isso seja natural. Mas não dá!
:--:
Ah com eu queria!
Como seria bom... se meu mundo mudasse quando eu fizesse beicinho.

Que vontade...!!

Teu olhar me atravessa, como se eu fosse de vidro. Minha pele translúcida, como fina camada de papel manteiga. Tuas perguntas me cortam profundamente a carne, me rasgam o fino embrulho cutâneo. Assim me sinto como engasgar com as próprias respostas.

Quase incontrolável, o desejo de confessar tudo me deixa afoito. Me atrapalho em adjetivos quase sempre aflitos de um sentido inexistente. Reluto em não me delatar pelas ações, e quando percebo, estou todo amarrado proferindo gentilezas.

Eu não consigo fugir!

terça-feira, 10 de abril de 2007

Abuse

Me irrite para não se sentir solitária. Quando eu esquecer, eu vou ser carinhoso denovo. Aproveite as massagens, o carinhos. Aproveite os meus mimos. Me use como parâmetro negativo, me estimule a desistir. Concentre-se em me fazer inseguro. Mais do que tudo, se acostume assim.

Alguém vai ter que sentir falta desse amor.

Caminhando acompanhado

Conheço pessoas o tempo todo, e gosto muito disso. Tenho grande facilidade ao me relacionar, adoro conversar, sou do tipo que adora dar conselhos e escutar os outros. As pessoas gostam disso e se aproximam, naturalmente. Como pensador nato, vivo em devaneios o dia inteiro, a vida toda. Muitos permeados por pessoas e situações que não aconteceram ou aconteceriam se eu não fosse quem sou, se eu fosse diferente.

...

Hoje pela manhã, o meu café foi delicioso e insuficiente, como qualquer café de quem está preocupado em perder peso. O dia frio me obrigou a sair agasalhado, o que adoro. Não demorou e começou a chover.

Quando me dei conta, você estava comigo no ônibus, ponderando sobre o que deveria fazer primeiro no trabalho. Sobre eu deixar as mensagens instantâneas de lado, os emails e me esforçasse a entregar os meus prazos. Engraçado é que isso é que tem me motivado a continuar vivo, trabalhando e acordando todo o dia. Você estava nos sabotando.

No trabalho, te expliquei minha rotina, te mostrei como eu faço as coisas. Me exibi com meus métodos, te mostrei como me esforço para ser o melhor de mim. Cada atividade era permeada por explicações e sorrisos, com carinho de alguém que ensina algo para outro. Você interfere no meu dia, me ouve, me entende, me contagia. Você acaba sendo o meu dia.

Não importa o que eu faça ou onde esteja, pareço ligado a você como se te desse instruções constantes sobre o meu dia. Me encantaste de uma maneira peculiar, a qual pouco eu conheço como me desvencilhar. E nem quero.

sábado, 7 de abril de 2007

Saldo Negativo

A multidão se aglomera frente ao estabelecimento. A noite caía e esfriava o cadáver ainda úmido, vítima daquela tarde. Os assaltantes não tiveram um pingo de consciência de que levariam a vida dele atirando ou não. Carregaram seu suor e sangue, seu tempo com a esposa e filhos, seus sonhos e deveres, tudo em uma sacola velha de lona. Atiraram naquela tarde e um pouco do coração da vila inteira.

...

Ao chegar ao balcão da farmácia, me escorei e esperei que ele terminasse de escrever em um papel. Ele ergueu o pescoço mais do que necessário para um homem comum. Entretanto, sua cabeça mal saía acima do balcão. Esse era o Baixinho.

Ele me atendeu meio desconfiado, me olhando de cima abaixo. Sempre me encarando por sobre o óculos fundo de garrafa. Por fim, me entregou o troco e largou:

- Tu não é o filho do Gelson?

- Isso mesmo... - E o assunto continuou.

Assim virei cliente dele. Ou será que não. Acho que isso foi bem antes.

...

Assim como todo cidadão que nasceu e se criou nos bairros Fátima, Marechal Rondon e Nova Cachoeirinha, um dia precisou de injeções e conheceu o Baixinho, lá estava eu. Tremia da cabeça aos pés, segurado pelo meu pai. A ponto de voar daquela farmácia, quase criando asas.

- Não vai doer nada, é bem rapidinho – ele tentava me acalmar.

- Ahhhhh, nãããão pai... eu não quero injeçaãããããããão.... ahhhhhhhhh!

- Nossa, mas que fiasco, pronto. Já deu. Nem doeu.

Sequei as lágrimas e saí injuriado. Ele tinha razão, não havia doído nada e eu havia feito um fiasco feminino sem motivo algum. Depois, com o meu pai na rua, desmaiei sem motivos. Eu havia ficado tão nervoso que perdi os sentidos ao me acalmar. Acordei em casa.

...

Sobre a sua moto, ele percorria 4 bairros quase todo dia. Era um curativo na dona Diora, no meio da Nova Cachoeirinha. Ela havia estado no hospital durante quase um mês devido a um mioma, e agora se tratava em casa, com curativos uma vez por dia. Seu agradecimento era o seu pagamento. Outro dia teve que dar 10 injeções no filho do seu Ananias, por conta de uma infecção. Era todo dia a mesma romaria. A vila inteira era sua casa, seus filhos eram os filhos dos outros. Ele era o enfermeiro sem diploma de muita gente. De alguns, o médico sem faculdade.

Ele sabia do seu papel na sociedade. Ele tinha suas convicções e sabia que cada um esperava dele um pouco de ajuda, um pouco de compreensão e pagava com muito carinho com sua família e filhos.

...

A moto parou na frente da farmácia, ele ouviu o barulho e saiu de trás das prateleiras. Um cara já se encontrava no meio da loja e o outro continuou sentado na moto ligada. Sem tirar o capacete, o rapaz levou a mão as costas enquanto ele perguntava:

- O que era pra ti?

- Abre o caixa, vamo logo, é um assalto.

Acostumado a rotina de assaltos, e um tanto indignado, se recusa a correr. Começa a falar do dinheiro do aluguel e da faculdade dos filhos. Por dentro do capacete, reconhece traços do motoqueiro e sua voz que o denunciava.

- Tu não é o filho do....

- Não sou ninguém, me dá esse dinheiro logo.

- Mas eu te conheço...

- Ah, tu me conhece? Tu me conhece? - um disparo nervoso e um peito perfurado.

Caído pelo impacto, ele se arrasta em direção a um filho da comunidade que ele cuidou como seu. Ao se agarrar no pé deste, que enchia a sacola de lona com o dinheiro do caixa, o motoqueiro se vira e chuta. Mais dois disparos e a disparada sobre a moto.

Fábula e tragédia. Morre abraçado a um pé de sapato do agressor.

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Posse

O querer involuntário
Me respeita ao contrário
E me mata toda hora


Que estranho esse cenário
O diabo e o escapulário
Minha posse vem agora

É incrível tua luta
Em me ter na tua nuca
Me jogando a vida fora

Tu me queres do teu jeito
E por mim teria feito?
Minha alma nua chora

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Quase me comunicando

Estou meio eufórico...

Meus dedos e mãos, correndo freneticamente pela mesa, por todo o ambiente de trabalho. O mouse, coitado, sofre em minhas mãos. Seus botões clicam tanto que, quase em brasa, pedem socorro. Eu vasculho meus emails corporativos, e nada. Olho meu email pessoal, nada também. Onde será que você está? Olho no Skype, e nem sinal de você. Se entrou não me deixou recado ou não me chamou. Abri o MSN, na ânsia de te achar, e você nem on-line estava. Muito menos havia atualizado o seu Spaces. E o Gtalk estava vazio sem a sua presença.
Nenhuma mensagem no meu celular, nem sequer uma ligação não atendida.
Todos os canais estão abertos... Como você não pode ver????

terça-feira, 27 de março de 2007

Comporte-se

Dia desses, olhei nos olhos de minha filha e disse:

- Tu tem que te comportar.
- Porque pai?

Ao invés de responder, eu desconversei, e disse que era o certo o que eu estava falando. Acabaram os meus argumentos.

Durante toda a vida eu me comportei:

Não joguei pedra na vidraça da vizinha fofoqueira
Não xinguei a mesma vizinha
Não briguei na rua
Não mexi com minhas colegas da escola
Não matei aula
Não deixei de fazer o dever de casa
Não comi mais do que devia
Não comia menos do que devia
Não deixei de tomar banho por preguiça
Não proferi infâmia sobre os outros
Não menti
Não pequei
Não fiz nada fora da lei

E agora, com 27 anos, eu sou o mesmo que qualquer outro que não tenha se privado de tudo o que estava com vontade de fazer. Ou melhor, eu não me diverti como eles, e tenho menos histórias pra contar que a maioria.

- Porque pai?
- ...!!

sexta-feira, 23 de março de 2007

Pelo coisa ruim

A última vez que vi o demônio, ele me disse o que eu precisava saber. Ele postou a mão sobre minhas feridas e disse “Esse teu corpo é o que te vale” e me tirou a dor e as cicatrizes. Ainda disse “Pregue a pobreza e a ignorância perante os outros em meu nome, e serás expulso de onde estiver. Entretanto, faça a mesma coisa em nome de Deus, e verá o teu império nascer e crescer”.
Dias depois, fundei uma seita, onde os mais fracos nos carregam nas costas. Em nossas carruagens de puro ouro e diamantes, ninguém imagina de que tramas nós tratamos. Há um mundo aos meus pés, que me saúda como líder.

Texto encontrado em um baú no Vaticano

terça-feira, 20 de março de 2007

Perto demais

Não, não é assim que se escreve.

É impressionante como sempre chego muito perto, mas nunca consigo tocar o meu objetivo. Corre, salta, grita, o objetivo foge, me deixa na saudade.

Na euforia, eu sempre esqueço do principal: Me esquecer da euforia.

Mary Jane

Ela chegou em casa bem pequena. Lembro que disse a minha irmã que havia sido enganada, que não era um Pastor Alemão. Ela confirmou que havia comprado em uma loja, que forneceu a documentação do animal, e tudo mais. Pensei comigo: "Como esse bicho vai crescer e virar um Pastor?". A resposta me veio em poucos meses.

No primeiro inverno, eu quase não conseguia mais pegá-la no colo. Ela era um bebê de uns 25 quilos, e crescendo. Não sabia fazer outra coisa senão brincar de morder o meu sapato, mesmo com meu pé dentro dele. Às vezes pela manhã, principalmente quando eu não queria, ela tentava me derrubar no chão para brincar. Por várias vezes tive que voltar para casa e trocar de roupa, me atrasando para o trabalho ou para a aula.

Quando esfriou muito, ela ganhou um suéter de lã, nunca mais me esqueci. Eu nunca havia visto um cão daquele tamanho com um suéter, assim como os meus vizinhos. Era a sensação da rua inteira. Em um dia com geada, tirou uma bela foto no gramado com o seu suéter.

Ela crescia e se tornava cada vez mais membro da família. Seu choro era ouvido como reclamação. Quando se estava sozinho, ela era o ombro amigo. A conversa, em que ela escutava apenas, era como um desabafo com um amigo. Por diversas vezes, me peguei pensando nela como um irmão ou primo, que tinha ali uma função familiar. Não era mais só um cachorro de raça, era parte da "nossa raça", com sobrenome. O nome dela era Mary Jane.

Ela teve diversos amigos da mesma espécie, e alguns até de outra, com os quais compartilhou espaço, alimento, carinho e amizade. Mesmo assim, eles iam embora um dia, deixando seus dias mais longos e suas noites mais frias. Era visível sua tristeza ao perder um amigo querido, um ente que ela considerava parte de si mesmo, por vezes.

Eu saí de casa, aos 23 anos, formei minha família, e a cumprimentava nos fins-de-semana. Antes mesmo de chegar, ela já estava sobre as patas traseiras, pendurada à grade da frente, com quem diz: "Olá, veio nos ver? Estava com saudade". Voltei a morar na mesma casa aos 26, onde ela estava me esperando, uma herança em vida de minha família. Única moradora que nunca abandonou aquele lugar, a não ser por um curto período de férias na praia.

Neste último carnaval, ficamos todos os chuvosos dias do feriado no litoral. Arranjei um vizinho para alimentá-la e cuidá-la. Quando voltamos, ela fez aquela festa, pulando e latindo como se tivéssemos voltado depois de meses. O pote de comida cheio delatou sua depressão por estar sozinha. Na madrugada pude ouvi-la comendo desesperada.

Dia desses, quando falava com outro vizinho, ele me confessou ficar incomodado com ela no carnaval. Perguntei porque e ele me afirmou que não viu ela sair do portão nos 4 dias em que estivemos fora. Ela uivava durante toda a noite e adormecia ao amanhecer, junto ao portão, olhando para a rua. Por vezes, adormeceu mesmo na chuva e no frio, mas se recusava a sair dali. Ele disse que se a gente não voltasse na quarta-feira, ele iria ligar.

O valor de um animal, um companheiro, está no quanto ele pode te emocionar com suas atitudes.

Lembro-me de ti

Estávamos lá todo o dia, durante o todo o nosso amor. As árvores por testemunha, mesmo mortas e caídas, ofereciam sua guarida, os seus troncos recebiam a nós como poltronas. Também nós, nem percebíamos, tão perto estávamos que não podíamos ver. Tão perto estávamos um do outro que sequer podíamos respirar.
Fomos um do outro durante muito bosque.

Esquecemos, porém, como quem esquece o que não pode ser esquecido. Distraímo-nos com outros lugares e pessoas, esperando que nelas fosse vivo os galhos que floridos nos sorriam. Perdemos o cheiro acre de nossa pureza selvagem, deixamo-nos impregnar por fragrâncias outras.

O tempo inerte nos espera atrás das árvores. Lá ainda resta o bosque que guarda a nós, com mais saudade que amor, com mais tempo do que poderíamos amar.

quinta-feira, 15 de março de 2007

Timbres Infantis

Na puberdade, época de mudanças, confusão e isolamento, minha voz mudava todo o tempo. Havia dias que era uma gritaria estranha, quase animal. Outros, ela se fazia tenor, e me deixava todo feliz. Havia ainda, dias em que eu acordava grave e dormia barítono.

Depois dessa fase, eu esperava que minhas cordas vocais se fortalecessem, que parassem com a palhaçada e começassem a me ajudar. Porém, quanto mais eu esperava, mais me decepcionava. As mudanças foram diminuindo, até que não houve mudança nenhuma.

O fato é que fiquei com uma voz de menino, eternamente infantilizado na minha expressão maior. Tive que abandonar o meu sonho de ser cantor e seguir por rumos que não utilizassem unicamente a minha garganta. Nenhum suporte ao meu galanteio, nenhum ganho pela voz.

O mais difícil era aturar a minha avó ligando lá pra casa:

- Alô.
- Alô, meu filho. É a tua veia... Liguei pra saber como está a família.
- Vó... é o Rafa, quer que eu chame o pai?
- Ahhh, desculpa... vocês tem a voz igualzinha....

A genética tem das suas.

...

Conheci uma poeta, que me encanta com as suas histórias e com seu jeito. Quando trocamos mensagens, sinto que temos bastante em comum, e que nossas diferenças apenas servem para que aprendamos um com o outro. Ela tem me dado muitas idéias e acredito ter contribuído em parte com as suas. Uma troca de grande valia. Nunca havíamos nos falado, até que veio a idéia de se ligar, só para conhecer a voz um do outro. Era a curiosidade batendo a porta.

Aquele telefonema encabulado, meio sem assunto, onde se tenta esconder exatamente o que se quer saber. Assim sua voz de travasseiro me atravessou o córtex, exigindo de minha mente controle para não "se perder" no que não existe.
Ela me disse que minha voz é bonita.

A genética tem cada uma.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Entrevista

- Por favor senhor, nós gostaríamos de fazer uma entrevista...
- Não, estou com pressa...
- Por favor senhor, é rápido, é sobre o Big Brother.
- Hum... é? E vai aparecer na tv?
- Sim, vai sim.
- Então tá. Mas tem que ser rápido mesmo, tenho que chegar ao banco em men...
- Sim, sim, não se preocupe.

Dois minutos de maquiagem e luz. O cenário era um fundo azul, completamente estranho para ele.

- Então, o senhor saberia me dizer, me contar um pouco sobre a rotina da casa do Big Brother?

Ele então discorre alguns detalhes, seus participantes preferidos, e até sua opinião simples e parcial, de trabalhador alienado do terceiro mundo. Sai feliz e satisfeito de ter contribuído com algo tão importante quanto o seu programa de televisão favorito.

Corre para o banco, na intenção de chegar na hora para pagar as contas da empresa. Eles dependem dele, imagina. É o último a entrar na agência, a fila está enorme. Liga o walkman, desligado desde o seu devaneio depois da entrevista tão importante. Uma música lhe desperta do seu inconsciente. É apenas uma valsa, uma coisa do seu passado.

...

A mãe dança com o pai na cozinha. A comida lhe espera nas panelas, enquanto o pai lhe faz a gentileza, lhe tira para dançar a sua música.

...

Tão vivo em sua mente, o falecido pai sempre distante, em um momento tão próximo. Sempre estivera tão imerso em seu inconsciente, em sua rotina impensada e cheia de rituais bobos. Lembrou de todo o tempo que perdeu estando ao mesmo tempo perto e longe dele. Sentiu que toda a culpa do mundo pesava em suas costas agora, e aquilo não era mais possível ser repetido ou concertado. Lembrou o fraco coração da mãe, que lhe aguardava em uma cama de hospital não muito longe dali.

Quando chega do trabalho, corre ao armário, tira os álbuns de fotos e beija a esposa. Corre a rua e pega o primeiro ônibus que passa perto do hospital. Entusiasmado chega ao hospital. Quando procurou pela ala e pelo número do quarto, lembrou de quanto tempo perdeu para ir até lá. Aliás, era a segunda vez que visitava a mãe naquele lugar. Ela não tinha nem doador quando ele lhe viu pela última vez. Sentiu-se com a maior culpa do mundo novamente.

...

Ela falecera segundos antes. Suas últimas palavras para com as enfermeiras foram:

- Eu vi meu filho, eu vi meu filho hoje. Ele estava na televisão.

quinta-feira, 8 de março de 2007

Assinatura

Engraçada essa contradição que me acompanha a vida toda. Uma auto-estima tão baixa que eu sou capaz de pensar antes em todos do que em mim. Um medo natural a competição e a derrota.
Entretanto, nunca escapei de deixar minha marca por onde passei. Amizades e desafetos em qualquer lugar, mesmo sem querer, eu sempre deixei.


Na adolescência, talvez até mesmo antes dela, a procura por um símbolo que me representasse era constante. Uma assinatura, literalmente, que expressasse tudo o que existia em mim. Pobre diabo, eu nem imaginava que, em constante transformação, jamais acharia algo que servisse por muito tempo. Tentei muito, até que desisti.


E como os meus apelidos me acompanharam, e me acompanham, desde a escola. Antes, chorava no meu travesseiro lembrando a humilhação, lembrando a crueldade de crianças, algumas que se diziam até "meus amigos". Não suportava que alguém, além de não enxergar exatamente o que eu era, ainda impunha uma marca, um símbolo equivocado a mim. A dor era insuportável a ponto de me tirar o sono.


Depois de tanto procurar, e de tanto me torturar pela distorção da visão alheia, é que me deu um estalo: Tanto faz o meu nome, o que me chamam ou o símbolo que utilizam. Cada um me vê de um jeito, mesmo que me faça único. Portanto, sou para os superficiais o que vêem por fora. Tenho que mostrar do que sou feito.


Mudei a grafia de meu apelido mais comum, mudei o meu comportamento. Virei a cara aos insultos, me revoltei com as ofensas. Construí em mim a mim mesmo. E pichei em cada canto branco ou liso o meu nome. Roupa preta e cabelo na cara me acompanharam a partir daí. Somente os muito próximos ouviam minha voz comportada e sóbria. Os gritos e violências se tornaram uma constante em meu comportamento de defesa. A loucura era parte de mim agora.


Me seguiram os justos. Me abandonaram os incoerentes. Em minha transformação não houve vitória nem derrota. Houve identidade, houve coração e mente. Encontrei a mim mesmo da maneira mais desesperada: Tendo que provar a mim e a todos do que era capaz.


Ainda assino como antigamente.